SOBRE O ENSINO RELIGIOSO E ESTADO LAICO – DÉBORA DINIZ
O Artigo 19 da ConstituiçãoFederal de 1988 em seu parágrafo 1º veda qualquer relação ou ligação do Estado
com alguma religião ou credo, com ressalva para colaborações de interesse
público. A Lei de Bases e Diretrizes da Educação (LDB) de 1996 em seu Artigo 33
estabelece o ensino religioso como matrícula facultativa e integrante da
formação básica do cidadão, respeitando a diversidade religiosa e cultural do
Brasil e vedando quaisquer formas de proselitismo. Porém, será que estas leis
são cumpridas por todo o brasil?
Grupos
como o DERE, Departamento de Ensino Religioso nas Escolas (departamento integrante
da OMEBE - Ordem dos Ministros Evangélicos no Brasil e no Exterior) lutam pelo
estabelecimento do ensino religioso confessional nas escolas públicas. Ora, não
estariam estes em desacordo com as leis brasileiras ou estariam apenas
exercendo o direito garantido pelo estado à liberdade religiosa?
Para
discursar sobre este assunto, a equipe do Debate Sobre o Estado Laico Nas
Escolas conversou com a Drª. Débora Diniz, antropóloga e professora da
Universidade de Brasília (UnB). Um estudo publicado pela UnB em 2010 e liderado
por Débora sobre o Ensino Religioso no Brasil afirma que os livros didáticos
mais aceitos nas escolas públicas pregam o cristianismo e estimula a homofobia,
promovendo a intolerância e o
preconceito. Segue a entrevista que fizemos com a professora Diniz:
Debate: Você acha que o Ensino Religioso deva ser aplicado nas escolas
públicas? Se sim, de que forma? Como o ateísmo seria tratado nesta matéria?
Débora: O Brasil é um país laico. Nesse sentido, o
ensino religioso não deveria fazer parte do currículo de nossas escolas
públicas. Entretanto, o ensino religioso está previsto na LDB. Já que temos uma legislação que obriga seu ensino,
minha aposta é em um ensino religioso secular. Podemos pensar em um ensino
religioso que promova a diversidade religiosa, o igual direito de representação
de religiões nos espaços públicos, a história das religiões sob uma perspectiva
humanista, sem dar preferência para uma corrente ou outra, como acontece hoje
com o cristianismo. Vale lembrar que ateísmo não é religião, mas a falta dela.
Ser ateu é não acreditar que exista um deus ou deuses. O ensino religioso
secular pode ser um bom caminho para a construção do conhecimento entre
crianças e adolescentes, independentemente de professarem ou não qualquer
religião.
Debate: Nos últimos anos, frentes políticas ligadas à religião se
fortaleceram de forma demasiada. Estamos diante do Congresso mais conservador
desde 1964. Você considera essa associação entre política e religião perigosa?
Ela pode ser prejudicial a laicidade do Estado (incluindo aqui o ensino
religioso confessional)?
Débora: Essas frentes políticas conservadoras têm
tomado de assalto os meios de comunicação e também o Congresso Nacional. As
igrejas têm um papel importante na vida privada das pessoas. Não se deve
confundir o lugar das religiões na vida pública e política. Somos livres para
eleger crer ou não crer, mas não podemos permitir que crenças específicas
colonizem as leis ou direitos. Um Congresso com uma bancada religiosa fere os
princípios da laicidade do Estado e pode, sim, prejudicar a dinâmica da
democracia no país.
Debate: Sobre o PL 1780/2011, você concorda com obrigatoriedade do
ensino da cultura árabe e islâmica nas escolas?
Débora: A obrigatoriedade é o mesmo que imposição.
Por que impor algumas religiões ou culturas e outras não? Volto a repetir: um
currículo que contemple a diversidade é muito mais democrático.
Debate: O governo precisa informar melhor a população sobre laicidade
do Estado (campanhas nas redes sociais ou TV)?
Débora: Esse é um papel importante para a Educação.
É por meio da educação e do acesso ao conhecimento que formamos cidadãos e
cidadãs melhores. O princípio da laicidade é um princípio constitucional. Temos
inúmeras ferramentas para a disseminação de informação. Vivemos em um país onde
os meios de comunicação em massa estão tomados pelas religiões. O Estado é quem
fornece as concessões de rádios e tevês. Nesse sentido, o Estado é cúmplice de
uma violação básica de um princípio constitucional.
(foto: Minervino Júnior/Encontro/DA Press)
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